Os
erros e acertos do PT
De: Aldo Fornaziere - Publicado originalmente no www.brasil247.com.br
O
PT está certo em manter a candidatura Lula. A correção dessa tese
se deve a alguns motivos: cabe ao Judiciário, arbitrário e
persecutório, excluir Lula das eleições e não ao seu partido.
Seria faltar com o dever da lealdade o PT excluí-lo. Ademais, se o
Judiciário (incluindo a Justiça Eleitoral) é golpista, como de
fato o é, é preciso confrontá-lo, tensionar o seu arbítrio até o
limite. Manter a candidatura Lula representa uma tática correta para
pressionar pela sua liberdade. Por fim, existe uma possibilidade,
embora remota, que se consiga manter o registro da candidatura e o
nome de Lula na urna eletrônica, fator que poderia representar a sua
libertação e a vitória eleitoral e um estancamento da destruição
do Brasil.
Mas
a arte da política não é igual a uma soma matemática. A política
é cheia de paradoxos, onde os pares antinômicos trocam a todo o
momento de posições. O PT erra quando mantém a candidatura Lula a
seco, sem ocupar espaços políticos e eleitorais no presente e sem
construir uma alternativa diante da possibilidade de insucesso da
manutenção e do registro da candidatura de Lula. Essa construção
implicaria que se indicasse um candidato a vice desde já para que
ele ocupasse os referidos espaços e apresentasse o programa do que
Lula fará no governo, potencializando a luta pela sua liberdade e
pressionando o Judiciário. Os políticos prudentes são aqueles
capazes de antecipar o advento das adversidades futuras e de agir no
presente ou para evitá-las ou para reduzir os seus efeitos danosos.
E são aqueles que sabem medir as consequências de cada decisão e
de cada ato político, adotando providências em relação a elas.
A
direção do PT não vem sabendo conduzir o partido, a militância,
os simpatizantes e os seus eleitores. Ela vem fomentando a tese
despolitizada do Lula ou nada. Esta tese significa o seguinte:
caminhar com Lula até o fim, mesmo que ele esteja excluído das
eleições pelo Judiciário, o que equivale dizer que se a
candidatura Lula for legalmente inviável será transformada numa
anticandidatura. Anticandidatura é abstencionismo eleitoral, ao
menos para as eleições presidenciais.
Se
a anticandidatura é uma opção, a direção do partido precisa
anunciá-la para que os candidatos a outros cargos, a militância e
os eleitores se preparem para esta situação e não sejam pegos de
surpresa. E se esta é a opção, a prudência recomenda que se
indague quais seriam as suas consequências. Uma das consequências
previsíveis seria a despotencialização eleitoral do partido, com
um aumento das dificuldades para eleger deputados, senadores e
governadores. O PT não poderia ocupar o espaço de TV e rádio
destinado à propaganda presidencial. Deixaria, inclusive, de ocupar
esse espaço para denunciar o golpe, defender a liberdade de Lula, um
programa para o país etc.
A
palavra de ordem “Lula ou nada”, estimulada por setores da
direção do PT vem gerando uma militância despolitizada, sectária,
religiosa, agressiva, assemelhada à militância radical de direita,
cujo único argumento é a ofensa contra aqueles que não concordam
com ela. A partir de uma senha “Ciro não passa no PT nem com reza
brava”, essa militância, incluindo alguns analistas, se dedica
mais a atacar Ciro Gomes do que a atacar o governo, a direita,
Bolsonaro, o PSDB e o centrão. Parte dessa militância volta também
seu sectarismo contra Guilherme Boulos e Manuela D'Ávila, sugerindo
que fazem o jogo da direita ou que são esquerdistas inconsequentes,
cobrando uma coerência que passa longe do próprio PT.
Essa
arrogância tacanha e irresponsável pode comover ânimos desolados e
ressentidos, mas pouco ajuda a tarefa de defender a democracia,
combater o golpe e enfrentar os neofascistas. Que direito têm essa
arrogância de cobrar coerência dos outros? Ou o PT não se aliou a
uma horda de partidos golpistas, com Michel Temer à frente? Ou o PT
não está se aliando, agora, em 15 ou 16 estados, com partidos
golpistas, a exemplo do PSD, PPS, MDB, PRB, PP etc.? As direções
petistas têm seus motivos para fazer essas alianças, mas não se
pode cobrar coerência dos outros quando não se tem coerência em
casa. Critica-se Ciro por querer colocar um empresário como vice na
chapa. Mas Lula não teve José Alencar, um dos maiores empresários
do país? O que há de pior do que Temer?
A
manutenção da candidatura Lula até o fim ou até uma decisão da
Justiça Eleitoral deve implicar na consciência de que o PT
caminhará sozinho nessa empreitada, mesmo que venha substituir Lula
na reta final da campanha. É uma escolha que precisa ser respeitada,
assim como precisam ser respeitadas as candidaturas de Ciro, Boulos e
Manuela. É preciso respeitar essas candidaturas em nome da
coerência, da responsabilidade e da ética, pois o campo
progressista precisa fortalecer a frente democrática na luta contra
o golpe e contra o fascismo, criando a perspectiva da unidade no
segundo turno.
Quem
coloca os interesses do povo acima dos interesses partidários
precisa entender que o campo progressista não deve sair enfraquecido
nas urnas, pois isto representaria o aprofundamento do caráter
antissocial e antinacional do golpe. Atacar os candidatos do campo
progressista significa fazer o jogo do conservadorismo, um jogo
contra os interesses do povo. Cabe perguntar: o PT deve estar a
serviço do povo ou de si mesmo? O sacrifício de Lula, preso
injustamente, deve ser instrumento de luta a serviço do povo ou a
serviço da cúpula do PT? A direção do PT não tem o direito de
interditar o debate legítimo interno em nome de um argumento
constrangedor: “quem quer debater alternativas é traidor de Lula”.
A luta pela liberdade de Lula não pode ser instrumentalizada para
fins dos conflitos e dos interesses internos o PT.
Lula
vinha fazendo críticas autocrítica dos erros do PT desde 2014. José
Dirceu, dois dias antes de ser preso novamente, fez autocrítica em
entrevista à Rede Brasil Atual. Mesmo que parcial, foi uma
autocrítica significativa. Não é possível que os mandarins da
burocracia partidária continuem olímpicos no pedestal da
arrogância, distribuindo éditos e sentenças condenatórias contra
aliados, estimulando o destempero agressor daqueles que não têm
argumentos.
Setores
petistas, visando sobreviver politicamente, agora criaram uma tática
ilusionista: radicalismo verbal na exigência da liberdade de Lula e
inconsequência e imobilidade na prática. Ou não é verdade que
desde a condenação de Lula em 25 de janeiro até sua prisão, em 7
de abril, não houve nenhuma mobilização significativa para
defender o presidente? Ou não é verdade que desde a prisão de
Lula, excetuando-se o ato de São Bernardo e a vigília em Curitiba,
não há uma mobilização para a libertação de Lula? Parecem
acreditar numa luz mística salvadora: os 35% das intenções de voto
no presidente. Mas para que essas intenções se tornem algo concreto
é preciso superar impasses terríveis e fazer mediações corretas
com a realidade para que as intenções de voto não sejam apenas
ilusões a fugir entre os dedos. Causa estupefação que os
argentinos se manifestem nas praças pedindo a libertação de Lula e
que no Brasil não aconteça nada parecido.
Os
militantes e simpatizantes do PT precisam encarar a realidade, a
verdade efetiva das coisas:
1)
o PT não tem força para mobilizar milhões de pessoas para exigir e
possibilitar a libertação de Lula;
2)
o Judiciário não libertará Lula antes das eleições e é
improvável que o liberte no curto prazo;
3)
em que pese existirem brechas jurídicas, é improvável que o TSE
aceite a inscrição da candidatura Lula, mesmo que sub judice. A
tática do PT precisa responder e indicar caminhos a essas questões
ou será uma tática que vende ilusões para comprar derrotas.